sexta-feira, 14 de agosto de 2009

1º Encontro da Pós-Graduação do IQ/USP – 75 anos USP

Artigo Científico e Divulgação Científica


O Núcleo José Reis de Divulgação Científica da ECA/USP agradece o convite e sente-se honrado em participar deste “1º Encontro da Pós-Graduação do IQ/USP – 75 anos USP” e se alia ao objetivo do encontro exposto no site do evento que é o “intuito de divulgar as pesquisas realizadas no IQ e facilitar a troca de conhecimento”.



Agradeço à Comissão organizadora especialmente os professores doutores Josef Wilhelm Baader e Maurício da Silva Baptista e ao grupo de alunos elegendo a Graciele, que foi o nosso contato, para homenagear a todos que certamente fizeram um grande esforço para este evento acontecer.
Ainda pela Internet vi que o segundo tema deste encontro é Educação e Divulgação Científica, um tema muito querido para nós do NJR-ECA/USP e há muito de José Reis e Crodowaldo Pavan, personagens da História da Ciência que sempre estiveram ligados ao nosso núcleo. Esses dois cientistas e comunicadores da ciência por excelência nunca me esqueço de render a nossas respeitosas homenagens. Sempre tiveram grande preocupação para que o conhecimento científico fosse amplamente divulgado à sociedade.



Fomos convidados para falar de Redação de Artigo Científico.



Antes de tudo, no nosso ponto vista, isto é para o grupo de pesquisa do núcleo, Artigo Científico e Divulgação Científica caminham lado a lado até pela natureza que cada um trás em si. Para um divulgador científico tendo em vista a comunicação do conhecimento científico para o grande público, o Artigo Científico é a linguagem do outro mundo. Trata-se de um texto que tem um código fechado que só os iniciados vão entender. O pobre mortal comum que tenta acompanhar o desenvolvimento da ciência através de leitura de Artigo Científico ou é um gênio onipotente que a tudo domina, um Deus neste caso, ou um leigo como todos nós em relação ao conhecimento do vizinho. Essa é a definição do leigo e do detentor do conhecimento. Entender essa relação e ter consciência desse nó comunicacional é crucial para que pensemos em Artigo Científico e Divulgação Científica.



Explico essa questão a partir de uma amiga que temos em comum, Glória e eu, de longa data, trata-se de Maria Eugênia Boaventura, que por sua vez é casada com Gilson. Glória e Maria Eugênia e Gilson, cursavam o mestrado na época. A Glória e a Maria Eugênia alunas orientandas do Prof. José Aderaldo Castello, participavam ativamente das pesquisas desse grande Historiador da Literatura Brasileira, que tinha como parceiro o Prof. Antonio Cândido aqui na universidade. Ficavam intrigadas quando comparavam os seus trabalhos de pós-graduação com os de Gilson. Elas produziam no mínimo 100 a 150 páginas de narrativa, enquanto o Gilson, aqui da química, apresentava um comentário inicial de meia página a uma página e mais meia a uma página com fórmulas. Enfim para elas era uma aberração: como que esse trabalho minúsculo pode representar dias e noites de intenso trabalho de pesquisa. Esse casal tornaram-se professores na Unicamp o Gilson Herbert Magalhães Dias na área de química e a Maria Eugênia em Literatura Brasileira. A Glória anexou à sua formação na área de Literatura Brasileira as ciências da comunicação onde, além de professora, dirige o NJR-ECA/USP, não pode comparecer hoje aqui por aconselhamento médico. Acho que quem sai perdendo são vocês, pois ela é a comunicadora de fato.



O que essa história tem a ver com o Artigo Científico?



Da maneira mais simplificada possível deduzimos que para cada ciência temos uma forma de expressar o conhecimento. Para se falar da literatura exige-se uma narrativa extensa longa onde se usa o próprio texto para exercer o papel de exemplo. Este é o chamado meta-texto, o texto que fala do texto e tenta explicar o texto. Mesmo que tenha uma narrativa alongada, no caso da literatura, não deixa de ser um texto para iniciados tanto quanto aquele texto de química repleto de fórmulas que cabe em uma só página.



Para as ciências naturais e biológicas não é diferente. O cientista apresenta seus resultados com auxílio da própria ciência. Isto é, o suporte da explicação para falar da física é realizado com elementos intrínsecos da própria física. Como é uma ciência exata não é permitido o uso das figuras de linguagem. O buraco-negro, por exemplo, para um físico, é um substantivo impregnado de cálculos e fórmulas que resultam em um evento que prevê uma sequência de acontecimentos para se ter aquela experiência singular. Como se vê não é uma metáfora, mas uma representação teórica que de fato é um buraco concreto e negro em algum lugar do universo.



Na biologia ocorre a mesma coisa. Para relatar a clonagem toda explicação se resume nos procedimentos de intervenção numa dada célula e o resultado de sua replicação. Em nenhum momento usa-se uma linguagem de relações ela é altamente informativa e o tempo todo impregnada de terminologia nominativa. Tanto é que os biólogos até se assustaram com tanta inspiração que isso gerou exatamente pela pouca compreensão do assunto. As correlações tornaram-se uma literatura à parte. Os europeus morreram de medo de clonarem pequenos hitlers, os americanos, numa concepção pragmática, uma auto-clonagem de si mesmos, ou dos grandes gênios d a humanidade, já os brasileiros alguma mulher bonita. Essa era uma interpretação que C. Pavan gostava de fazer. . .



Não entendo absolutamente nada de química, mas tenho certeza que um químico vai compreender o artigo de outro químico pela própria química.



A essa redundância onde essa narrativa de códigos de um tipo de conhecimento são utilizadas para explicá-lo o filosofo Derrida chama de meta-relato, que é exatamente a ciência explicada pela ciência pelos seus instrumentos de pesquisa. Uma narrativa fechada nela mesma. Onde quem não faz parte daquele tipo de conhecimento não consegue entender nada, mas quem faz aquela determinada ciência acha que todo mundo deve compreender naturalmente. Ou, com ma fé, acha que é assim mesmo afinal não tem o menor interesse que a plebe venha tomar conhecimento do que se trata.



Para que serve o Artigo Científico?



Esta questão parece que é aquela que todos conhecem. Todo pesquisador tem como objetivo fazer uma imensidão de artigos. Significa melhora no currículo Lattes. Ou sonhando alto, quem não quer ter Artigo Científico publicado nas principais revistas? Na Science, na Nature. Nada é impossível. Para um pesquisador acho que deve ser um projeto de vida conseguir esse espaço. Mas, será que é só isso? A pesquisa científica quase que integralmente paga com dinheiro público, sobretudo aqui no Brasil, merece ser apresentada à sociedade que investe nela. Nesse momento entra a Divulgação Científica. Também é nesse momento que o Artigo Científico torna-se fonte primária para abastecer a Divulgação Científica. O jornalismo científico que consiste no noticiário cotidiano baseado nos fatos novos se abastece dessa rica fonte. Ela é primária porque representa a informação de fato como ela é. Afinal nenhum cientista realiza uma experiência no laboratório e relata no seu Artigo Científico outra coisa. O Artigo Científico nessa situação representa a fala do cientista ipsis literis.



Quais caminhos levam pesquisador a um projeto comunicação?



Em primeiro lugar fazer ciência e novamente em primeiro lugar usar a comunicação. Nesse caso não tem o segundo lugar, isto é, fazer ciência e se comunicar o mais amplamente possível são uma coisa só. Nós vivemos numa sociedade da comunicação. Viver fechado dentro de um laboratório não vai tornar a ciência mais avançada. Com certeza não vai levar o cientista ou o seu grupo a querer de fato buscar patentes, emplacar artigos em espaços de visibilidade assim por diante e acima de tudo não vai gerar discussões críticas. É um jogo do saber. Nesse caso só se fará ciência burocrática, publicações burocráticas. Um fechamento total. Aqui recorremos a um exemplo tão antigo quanto atual foi a sua iniciativa. José Reis, nosso honorável patrono, entrou para o Instituto Biológico de São Paulo, para ser pesquisador logo após a criação da entidade. Foi escalado para estudar as aves e foi o que fez com grande competência. Mas achou pouco ficar lá nos laboratórios do Instituto preso a uma placa-de-petri, como costumava repetir. Resolveu isso lá no início dos anos de 1930, ir diretamente aos produtores de aves. Escreveu cartilhas para os criadores, montou alguns documentários, pegou alguns microscópios e os adaptou em um furgão, daqueles com cara de calhambeque, um mini-centro de divulgação científica móvel. Tomou rumo às Chácaras e Sítios,da atual Grande São Paulo, dando aulas, conferências e fazendo experiências in loco para os esperançosos e aturdidos criadores de aves de então. Suas pesquisas chegaram em primeira mão aos destinatários de fato. Se auto proclamou de Caixeiro Viajante da Ciência. Enquanto realizava essas atividades não deixou de publicar nos Anais do Instituto Biológico de São Paulo os resultados de suas pesquisas em forma de Artigo Científico. Tinha leitores assíduos na Europa, sobretudo na Alemanha, e nos Estados Unidos. Tinha a paciência de verter seus artigos para várias línguas.



Como os grandes cientistas se tornaram grandes?



Newton costumava escrever cartas, aliás, essa atitude é que, diz a lenda, efetivamente determinou o modelo dos primeiros artigos científicos de largo conhecimento, pois foi com uma correspondência tumultuada e provocativa com Leibniz e Hooke, que hoje podemos estudar como a comunicação foi essencial para esse cientista aparentemente fechado em si mesmo. Fazia questão de escrever só em latim para que ninguém surrupiasse suas idéias, nessa atitude diferenciada sabe-se que era uma forma de se comunicar mais intensamente. É a comunicação pelo inusitado, pelo não igual, pelo diferente. Tal qual pensam os teóricos da Escola de São Paulo de estudos comunicacionais, da qual a Glória Kreinz faz parte e tem como liderança Ciro Marcondes Filho aqui na ECA/USP. Voltando ao Isaac Newton, por sinal este cientista tem uma representatividade extraordinária, para vocês, foi um intenso praticante da Alquimia concomitante com a direção da Royal Science Academy e as aulas em Cambridge e de quebra interpretava as previsões bíblicas do profeta Daniel, interessantíssimo. Halley um de seus poucos alunos que o diga. Afinal para Newton a teoria da gravitação tinha um sabor mais matemático do que a explicação da grande lei da física.


O que fazer para produzir artigos científicos?



Infelizmente nos cursos de graduação não há uma disciplina apropriada para divulgação científica. Até poderia ser uma disciplina gostosa de se fazer. Como princípio deveria ser: como posso de fato me comunicar? Parodiando o título do livro de Ciro Marcondes Filho da ECA que pergunta: Será que de fato nos comunicamos? Essa é a grande questão. Produzir um Artigo Científico para um pesquisador não exige grande esforço. É um relato como afirmamos da ciência pela ciência. A ciência sendo explicada pela ciência. Técnicas, procedimentos, mensurações, tempo, mensuração e resultados. Quem quiser replicar para validar ou invalidar, vai ter que usar a própria ciência. Hoje com a Internet ficou mais fácil ainda. Pulemos aquela fase onde fala do andamento da pesquisa, do teor do artigo ser ou não inédito, etc. enfim o artigo em si. Ele também não tem segredos. Todas as publicações possuem as regras, a estrutura do artigo que, hoje, são invariáveis, tem um padrão que deve ser seguido, uma forma amplamente admitida pelos editores das revistas especializadas, tratam-se das normas que cada publicação pede que seja respeitada para aceitar o artigo. Datas de envio, período de submissão, peer view press, aceite do comitê e do editor, enfim o rito sumário para a publicação que se repete e de tempos em tempos algum bibliotecário inclui uma norma a mais. É exaustivo, mas ... necessário. Enfim todos caem no publique ou morra (publish or perish), que não é de maneira alguma comunicação é pura burocracia. O Núcleo sempre se preocupou com essa questão o melhor é que haja divulgadores científicos trabalhando junto com os pesquisadores para poder efetivar uma divulgação plena. Ou pelo menos há a necessidade de treinarmos os cientistas para comunicar o desenvolvimento de suas pesquisas na forma mais plena possível.


Comunicar-se é outra coisa. É um namoro das idéias com a narrativa. Tem que ter paixão. A paixão por aquilo que fazemos, no caso a ciência, e a troca anunciando esse amor a todo mundo. Essa é a narrativa na forma de divulgação científica, nos termos da Profa. Glória Kreinz e do Prof. Crodowaldo Pavan.